divendres, 17 d’abril del 2009

Entrevista | John Berger


"A convivência com os trabalhadores das pequenas fazendas me ensinou, e ensina, muito. São pessoas acostumadas praticamente a uma economia de subsistência"

Entrevista John Berger
Mariana Filgueiras
Com 82 anos de idade, o escritor estava de saída, com sua bicicleta, já de capacete, quando ouviu o telefone. A idéia era passar a tarde pedalando por Paris, o fim de um sol agradável de sexta-feira, com um pouco de vento. Tinha esquecido completamente da entrevista. Mas atendeu a ligação pedindo desculpas e mais alguns minutos. Tirou os acessórios, guardou a bicicleta – uma Honda 1100 Blackbird – e, como se tivesse todo o tempo do mundo, conversou com o Jornal do Brasil por telefone. Lamentou não conhecer o país, perguntou sobre o tempo no Rio, soletrou seu endereço nos Alpes franceses (onde vive há 46 anos) com sotaque mais francês que inglês – e pediu um exemplar do jornal impresso:
– Não me mande a entrevista por e-mail, não. Gosto de sentir a textura do papel pela manhã.
Muito antes do consagrado escritor John Berger, no entanto, veio o pintor John Berger. Formou-se na Central School of Arts de Londres, e a experiência nas artes plásticas permitiu textos críticos definitivos, como Modos de ver (toda obra de Berger no Brasil foi lançada pela Rocco), amplamente usado em universidades. Escrito em parceria com mais quatro autores, o livro é baseado em um programa de TV homônimo, veiculado pela BBC de Londres no início dos anos 70, que propõe uma maneira alternativa de ver ou observar obras de arte.
Berger é ainda muito mais que seus estudos sobre arte. Nos mais de 30 livros que escreveu, a reflexão política permeou sua narrativa, fosse em ensaios ou romances. Quando G. ganhou o Booker Prize em 1972, ele doou metade do dinheiro para os Panteras Negras. Quando publicou King, em 1999, não deixou que seu nome fosse publicado na capa, enfurecendo os editores. A simplicidade e coragem definem o autor de risada fácil e silêncios longos, quase incômodos. Que ainda escreve com caneta-tinteiro, para ver a poça de tinta no papel, "o brilho dos azuis e pretos".
John Berger falou também sobre seu antepenúltimo livro, que acaba de ser traduzido no Brasil – Aqui nos encontramos( tradução de Ana Deiró, 205 páginas, R$ 33,59) – e do último – From A to X – ainda sem tradução, que acaba de ser indicado ao Booker Prize de 2008.
Como nasceu Aqui nos encontramos?
De um sonho. Sonhei que me encontrava com minha mãe em Lisboa. Ela já havia morrido há 15 anos. Fazia calor, e nós estávamos sentados num banco de praça. Lembro que ela me disse: "Os mortos nunca ficam onde estão enterrados. Os mortos podem escolher onde querem viver na Terra, se quiserem ficar na Terra". Daí veio a idéia de fazer um livro em que eu pudesse passear pelos lugares onde viveram meus mortos preferidos, conversar com eles, ainda tão vivos na minha lembrança. Na verdade, quis fazer um livro em que pudesse agradecer a todas as pessoas importantes na minha vida.
Fossem elas sua mãe ou Jorge Luis Borges?
Exatamente. Fossem minha mãe, Rosa Luxemburgo, minha filha, Katya, Jorge Luis Borges. Ou o neozelandês Ken, que me ensinou Garcia Lorca e Oscar Wilde, por exemplo. Pessoas sem as quais eu não seria nada do que sou. É um livro para dizer a eles: obrigado. Obrigado pelo que me ensinaram, obrigado por terem cruzado meu caminho. Apesar de tudo, a vida é um presente. Esses encontros são um presente.
O livro tem um gosto doce de fim, fala da morte de uma maneira singela, como uma compreensão surpreendente. Como você lida com a morte?
É curiosa essa leitura, porque em nenhum momento quis fazer um livro de despedida. Tanto que escrevi mais dois livros depois deste. Não sei como lido com a morte, só sei que não tenho medo.
No capítulo sobre Lisboa, chama a atenção a definição sobre o sentimento de saudade. É sempre muito difícil para falantes da língua portuguesa explicar o que significa esse sentimento, que quase não tem palavras correspondentes em outros idiomas. Ainda que a sua definição seja mais forte, é uma bela definição. Do que você sente saudade?
Sinto falta de acreditar mais nas coisas. Eu costumava acreditar mais em organizações políticas, movimentos organizados. Acreditar que é possível construir um mundo diferente.
O personagem pergunta: "Você considera a esperança uma doença?"
Respondo como ele: o sintoma terminal da esperança é o desejo de intervir de novo na vida, o que pode ser fatal – mas a cura para esta doença pode ser uma temporada com os mártires.
O senhor é um intelectual consagrado que nunca freqüentou a universidade. Um marxista que acredita em Deus. Qual o peso dessas contradições nas suas obras?
Tive duas grandes escolas. A primeira, dos 16 aos 30 anos, ainda em Londres. Convivi com muitos imigrantes judeus, fugidos dos nazistas. Eram pintores, escritores, historiadores. Com eles aprendi muito sobre arte e história, de uma maneira que até então a Inglaterra não tinha me oferecido. A minha segunda grande escola veio bem mais tarde. Quando me mudei para os Alpes. A convivência com os trabalhadores das pequenas fazendas me ensinou, e ensina, muito. São pessoas acostumadas praticamente a uma economia de subsistência. Com eles aprendi sobre a terra, a natureza, as estações, as prioridades.
E foi daí que o senhor começou a escrever mais sobre as relações de trabalho, principalmente dos trabalhadores migrantes? Ou essa afinidade já vinha de uma formação marxista? (Berger é simpático ao movimento dos trabalhadores rurais sem terra, e, no ano passado, esteve uma longa temporada no México, em meio aos zapatistas, depois de publicar algumas cartas trocadas com o Subcomandante Marcos, no livro ‘Bolsões da resistência’).
O livro que sintetiza esse projeto é A seventh man (ainda sem tradução para o português do Brasil), do qual muito me orgulho, um livro que já foi traduzido para o turco, o português, e outras línguas comuns aos trabalhadores migrantes na Europa. Quando eu conversava com trabalhadores, sobretudo migrantes, todos falavam dos sonhos de voltar para casa, e eu imaginava a situação de nunca poder sonhar em voltar para casa. Muitas pessoas pensaram que a decisão de me mudar para os Alpes franceses era um passo atrás. Uma idéia maluca. Mas agora temos consciência de que o problema dos trabalhadores migrantes reflete um drama econômico mundial e padece de soluções urgentes.
Você não economiza críticas ao governo Bush no livro. A temporalidade da narrativa é por vezes medida pelas atrocidades cometidas pelo governo americano no Iraque. Qual a sua opinião sobre uma possível vitória de Barack Obama?
Eu quero acreditar que ele vai ganhar. Se você me pergunta se acho que ele vai ganhar, devo dizer: preciso acreditar que sim. Mas se isso vai, de fato, diminuir a interferência genocida dos Estados Unidos no Iraque, por exemplo, não tenho idéia.
Qual último livro que despertou, de fato, seu interesse?
Curiosamente, dois livros que ainda estou lendo. Tenho uma rica experiência com os dois: In the heart of the heart of another country (ainda sem tradução para o português), de Etel Adnan; e A doutrina do choque, de Naomi Klein.
Sobre o que se trata seu próximo livro, ‘From A to X’, que acaba de ser indicado ao Booker Prize?
São cartas escritas por uma mulher, Anna, por isso o A, para um homem, Xavier, por isso o X. From A to X. De Anna para Xavier. Ele está preso, é um preso político. E só recebe as cartas, nunca responde a Anna. Mas, atrás das cartas recebidas, ele faz anotações. Assim, o leitor tem os dois pontos de vista da história, mas de maneira diferente.
O senhor considera o gênero epistolar relegado, atualmente?
Sem dúvida. Sinto muita falta de livros de cartas, de cartas publicadas, bilhetes, manuscritos. Lembro agora de Caixa preta, de Amos Oz, apesar de ainda não o ter lido. Sinto falta não somente de cartas e bilhetes, mas também de e-mails, mensagens SMS. Não é incrível que ainda não tenham feito um livro sobre mensagens SMS? É a maneira pela qual as pessoas mais escrevem hoje, e, no entanto, não lembro de nenhum livro que tenha usado essse recurso na narrativa... É um modo de fazer literatura hoje, ainda não reconhecido.
Tem o livro ‘Celular’, do escritor alemão Ingo Schulze...
Verdade. Mas são contos curtos, não exatamente SMS. Está aí um bom desafio para o futuro. Um livro só com mensagens SMS.

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